O título serve para muitas coisas na vida e algumas são mais verdadeiras e impactantes do que outras. Vou utilizá-lo para uma visão organizacional e entendo que é muito relevante.

O título serve para muitas coisas na vida e algumas são mais verdadeiras e impactantes do que outras. Vou utilizá-lo para uma visão organizacional e entendo que é muito relevante.
Uma história sobre a Segunda Guerra Mundial ficou muito famosa. Uma ilha no Pacífico era muito relevante para os norte-americanos e era preciso “cuidar” dela. Com isso, aviões sobrevoavam a ilha e jogavam alimentos, remédios e outros itens da necessidade dos habitantes. Com o passar do tempo eles se acostumaram com os dias e horários em que isso acontecia e compareciam ao ponto de encontro. Era um acordo tácito para uma atividade intergrupos. Esse evento se repetiu durante algum tempo e a fidelidade de horário era cumprida. Contudo, um dia a guerra acabou, os aviões pararam de aparecer, e os alimentos, remédios e outros agrados cessaram de ser entregues para os habitantes que, sem muitos esforços, eram aquinhoados.
Muitos habitantes perceberam logo que algo tinha mudado e eles deveriam alterar sua rotina e procurar outras alternativas. Outros continuaram comparecendo ao ponto de encontro, demonstrando surpresa, decepção, uma atitude apática, transformada em revolta e sentimento de perda, esperando um outro dia em que o avião voltaria a sobrevoar a ilha. No início mudaram o dia, depois a hora, mas nada de avião. Alguns demoraram mais e outros menos, mas, um dia, aprenderam que o mundo tinha mudado.
Bom, nada é para sempre: organizações, produtos, teorias, pessoas, dentre algumas coisas mais evidentes. A morte é uma alternativa e ela pode ser lenta e dolorosa, mas a perenidade pode ser perseguida desde que a organização se proponha a se reconstruir. A perenidade sempre será desafiada, mas pode ser perseguida com algum sucesso, desde que a capacidade de adaptação seja claramente enfatizada, com isso, proporcionando a perenidade. Num ambiente organizacional, público ou privado, o planejamento é a melhor forma de tratar o tema, entendendo que o plano que decorre do processo… também não é para sempre. Para continuar “vivo” é preciso acompanhar o dinamismo do ambiente. Só podemos enfrentar o dinamismo com o seu próprio veneno, que não deveria ser entendido apenas como algo rápido, com agilidade, mas sim com as várias intensidades e direcionamentos de mudança ao longo do tempo, apoiada grupalmente. Se nada é para sempre, a adaptação da vida depende de ações decididas a partir de um cenário.
É assim que algumas organizações, sejam públicas ou privadas, se comportam. O cenário mudou, e a inércia para entender, repensar e ter “força” para se ajustar depende muito da atenção com que os vários sinais externos se apresentam e são percebidos. O que chamei de “força” é ter o poder aglutinativo de conhecimento e o poder político para mudar, coordenando e orientando pessoas. Afinal, o planejamento consiste em decidir antecipadamente o que se deve fazer, individualmente e coletivamente. Depois de planejar, tem que se zelar para que alguém faça o que foi decidido, e isso requer muita energia, talento, coragem para coordenar e tempo. De maneira bem simplificada, podemos planejar para manter ou mudar as organizações.
O planejamento dentro da vida das organizações, quer sejam públicas ou privadas, é um elemento essencial para a gestão e “qualidade” da sustentabilidade das mesmas, seja a dimensão econômica, ambiental, social e mesmo cultural. De maneira geral, qualquer organização planeja. Pode ser para o curtíssimo prazo, pode ser de uma forma absolutamente não participativa, pode ser apenas para alguns elementos dos seus processos, enfim, é algo que tem uma forma específica para cada organização e seu momento de vida, numa visão ordinal de quanto dedica ao planejamento e nele acredita como forma efetiva de mudança.
Muito frequentemente nas nossas vidas, entendemos que o planejamento se constitui em continuar fazendo o que já fizemos. É o seguir em frente para um horizonte futuro, tocar para a frente o que já foi decidido em algum momento. Significa que uma parte do planejamento pode nem ser rediscutido e vai sendo mantido. Quer dizer que decisões do passado não podem ser mudadas? Com certeza, sim. Num ambiente conturbado e cheio de novidades, essa ação consiste em esquecer um dos elementos mais relevantes para planejar com o que convivemos: estar alinhado com o cenário. Os cenários, presente e futuro, podem ser favoráveis a estratégias definidas e deveriam nos proporcionar questionamentos do tipo: devemos manter nosso direcionamento?
Quanto mais estável for percebido o cenário, mais facilitada a manutenção do planejamento, contribuindo para a eficiência e eficácia das ações. Significa que continuar indo ao “ponto de encontro” quando ele indica algo factível, benéfico e desejado, tudo bem, mas quando não mais significa algo relevante deixa de fazer sentido manter o “ponto de encontro”. Ações de Trump, crescimento democratizado da inteligência artificial, mudança de comportamento das novas gerações, novas demandas da sociedade, conflitos políticos polarizados são ingredientes que nos permitem repensar os cenários e, como consequência, o planejamento a curto, médio e longo prazos. As mudanças ocorrem de forma diferente: algumas são disruptivas e percebidas por todos imediatamente, enquanto outras vão nascendo e crescendo sendo percebidas de maneiras e tempos diferentes. Nem todos percebem que o “avião” não virá mais. Isso tende a ocorrer nas organizações privadas em alguma dimensão, mas, no setor público, lidar com a inércia perante a mudança tem um sentido bem mais desafiador.
As razões para a inércia são várias, desde acomodação até falta de visão mais ampla, medo do risco do imprevisto, falta de visão da liderança etc. O fato é que a lógica da mudança demanda uma enorme “força” para fazer uma instituição se mexer (e, ao se mexer, coordenar e monitorar) para direcionar, trazer respostas e estimular a sequência. Um “avião no céu” é relativamente fácil de ser percebido mas o dia a dia das organizações demanda mecanismos razoavelmente estruturados.
Esse reclamo de descolamento entre o que se deveria fazer e o que se continua fazendo é antigo, e algumas soluções têm sido propostas para o curto, médio e longo prazos. A lógica do “base zero” me parece sempre ser razoável e efetiva. Ela se baseia em algumas perguntas de enorme poder: Qual seria a missão se a organização estivesse nascendo agora? O que seria necessário para suas atividades se a organização estivesse nascendo agora? Precisaríamos de espaços, profissionais de que tipos, tecnologias, parcerias, recursos financeiros? As perguntas permitem aflorar enorme contribuição pois contribuem para um olhar para o futuro tendo o passado como ponto de partida e não como uma âncora de retenção. O “ponto de encontro” continua existindo apenas como ponto de partida.
O mérito dessa abordagem é que, depois do exercício, sabemos o que queremos e do que precisamos, grupalmente. O plano consiste em fazer as movimentações, as alterações percebidas como necessárias para se chegar à organização que estaria nascendo hoje. O benefício de poder esquecer lógicas que existiram, mas que não mais afetam a organização é muito poderoso. As vantagens dessa abordagem, que deve ser estratégica e olhar para o horizonte de longo prazo, são: 1) liberdade para pensar, questionar e propor ideias que, de outra forma, não apareceriam na mesa de quem pode decidir; 2) sendo de alguma forma e nível participativa, traz oportunidade de ter consensos de longo prazo para a organização, o que fortalece o momento de execução; 3) cria-se um momento de diálogo, e coisas pouco plausíveis de serem implementadas recebem explicações, aumentando a transparência e credibilidade dos gestores; e 4) as pessoas percebem que ocorreram algumas mudanças e por que outras não ocorreram.
Os desafios dessa abordagem são: 1) a dificuldade inerente de estimular as pessoas a pensar fora do trivial. Todos precisamos de referências e, nesse caso, a liberdade pode incomodar muito por não serem referências estabelecidas no passado, exclusivamente; 2) a dificuldade de não implementar algo que foi discutido e fortemente apoiado, mas não implementado, por alguma razão; 3) algumas dessas não implementações decorrem do fato de que elas demandam tempo, e muitas vezes o longo prazo incomoda pela sua relação com a incerteza e falta de confiança; e 4) mudanças proporcionam ganhos e perdas para as pessoas, quaisquer que sejam os movimentos.
O planejamento antecede o controle, ou seja, só controlamos o que planejamos, entendendo realmente o que significa controlar. O passo seguinte ao planejamento é a execução que ocorre concomitantemente ao controle. Temos momentos em que fazemos o controle das coisas, seja visual, contábil-financeiro ou para algo com impacto não monetário e mesmo não tangível. Nesse momento, esse controle, que deve realimentar o planejamento, proporcionando duas dimensões/usos igualmente importantes: a dimensão diagnóstica e a dimensão interativa. A dimensão diagnóstica permite comparar previsto x realizado, principalmente no que se refere aos elementos quantitativos e a dimensão interativa, que permeia a organização tratando de repensar o futuro a partir do constatado no presente, incluindo ou excluindo ações no sentido estratégico e mais de longo prazo. O interativo realimenta o processo, e a lógica do “base zero” é ainda mais valorizada.
Nas organizações privadas, esse processo pode ser utilizado de maneira relativamente simples e útil: alguém entende, discute, implementa e monitora. Nas entidades públicas, muito embora os desafios sejam muito maiores, com aspectos institucionais enraizados, legislação muitas vezes complexas, comunidade que pressiona para aumento de escopo, escassez de recursos, sejam eles financeiros ou de outra ordem, o exercício “base zero”, de per si, é ainda valioso pois permite enxergar possibilidades e, eventualmente, implementá-las ao longo do tempo. A partir dele, a manutenção da oxigenação do direcionamento futuro pode ser disponibilizada com a cultura de planejamento.
Bom, na nossa grande ilha chamada Terra, ou no nosso escritório de trabalho, existe uma possibilidade de perguntar: o que faremos agora que o avião não vai voltar mais? Se não poderemos voar, talvez tenhamos que aprender a nadar. Se não conseguirmos, vamos realmente constatar que… nada é para sempre.
Fábio Frezatti
Professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
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